A pedido dos donos de bares, músicos e produtores, a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu a audiência pública Bar: Direito à cidade e à cultura. O debate aconteceu na tarde desta segunda-feira (27) e reuniu vereadores, representantes da prefeitura, da Guarda Municipal e dos bares e restaurantes da capital. Um grupo de trabalho será formado para estudar uma nova legislação, que contemple as demandas do segmento.
O intuito do debate foi ouvir reclamações e sugestões dos empresários e artistas sobre o funcionamento destes estabelecimentos, as dificuldades para a obtenção dos alvarás, os ruídos e a poluição sonora, e ainda sobre como a fiscalização.
“O acesso aos bares significa acesso à cultura e ao lazer, e fomenta uma economia que envolve, além do pessoal do atendimento dos estabelecimentos, profissionais da música, produtores e trabalhadores da cultura”, diz o requerimento que agendou o evento (407.00010.2024). O debate contou com a manifestação dos vereadores, dos deputados estaduais Goura (PDT) e Requião Filho (PT) e de representantes da Prefeitura de Curitiba.
Abrabar (Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas) e da Abrasel/PR (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), representantes do Coletivo de Bares e Comerciantes do Anel Central da cidade, produtores culturais e músicos também se manifestaram na audiência pública.
Fiscalização atrapalha o funcionamento dos bares
Felipe Petri foi um dos empresários a se manifestar sobre a principal reclamação do segmento: a fiscalização da Aifu (Ação Integrada de Fiscalização Urbana), promovida pela Polícia Militar em parceria com outros agentes, como a Secretaria de Urbanismo e Guarda Municipal. Segundo ele, o convênio entre Estado e Município venceu em 2021 e “não previa prorrogação”, fazendo com que as atuais ações de fiscalização da prefeitura, com a participação da PM, não estejam amparadas legalmente.
No ano passado, continuou Petri, das 423 ocorrências registradas, 215 foram relacionadas a denúncias de caixas de som em bares. O ex-comerciante reclamou que, em um ano, foram deslocadas 262 viaturas e 65 policiais dedicados a multas geradas por um desacordo com uma legislação que está obsoleta. “Das infrações administrativas, 91% não concorrem com nenhum outro crime e nenhuma outra infração. Ou seja, 50% da força policial está fiscalizando bares que não cometem crime algum. O crime é um violão. Este é o crime que está sendo coibido. […] Peço a atenção dos legisladores e da prefeitura sobre se sustenta esse gasto, se esse gasto com a violência institucionalizada do município se justifica. A gente tem um perfil que está sendo fiscalizado e que sequer comete crimes.”
“Precisamos entender que os donos de bares e restaurantes não são inimigos da sociedade. Estão ali para gerar cultura, empregos e renda. Os músicos fazem parte dessa cadeia econômica. Temos vários problemas com o Ministério Público, que às vezes aceita a denúncia de uma única pessoa, que mora em um condomínio, e essa única pessoa pode fechar um bar”, afirmou Fredy Ferreira, proprietário do bar A Caiçara e produtor cultural.
Para o empresário, a legislação é atrasada e a cidade não vem acompanhando o comportamento do curitibano, que mudou nos últimos anos. Uma nova legislação, opinou, deve considerar horários de funcionamento diferenciados e regiões específicas, tanto na região central quanto na periférica da cidade. “É urgente uma alteração no zoneamento urbano, identificando estes espaços”, argumentou, para na sequência pedir que, antes de bloquear o alvará [dos bares localizados em] uma rua inteira”, o Poder Público e demais órgãos fiscalizadores promovam estudos sobre os empreendimentos e sobre as áreas residenciais.
De acordo com Luis Fernando Menuci, presidente da Abrasel/PR, a entidade entende que a Aifu tem uma função importante, mas pede que a fiscalização “seja mais tranquila”, pois não é nos restaurantes e bares que acontecem os maiores problemas. “Algumas vezes, até nossos clientes se assustam. Perguntam ‘o que está acontecendo, ocorreu algo grave’? E isso prejudica o estabelecimento, porque as pessoas realmente se assustam. E é exatamente esta diferença que tem que ter: a maneira que a Aifu atua em determinado ambiente, e quando você vai em uma área mais perigosa, onde as atitudes da Aifu tem que ser diferenciadas”, analisou.
Outra ideia sugerida por Menuci é que os alvarás de funcionamento para abertura de bares sejam emitidos provisoriamente por seis meses, e caso não tenham reclamações sobre os estabelecimentos no período pós inauguração, que o alvará seja permanente.
Já Fábio Bento Aguayo, presidente da Abrabar, endossou as falas que o antecederam, reafirmando a vocação de Curitiba para a vida noturna e gastronômica, e defendendo que o segmento tem responsabilidade social e atua em ações preventivas, de assédio sexual e segurança no trânsito. “Às vezes a sociedade prefere marginalizar esse setor, em vez de entender nossa responsabilidade social e de geração de emprego e renda, mas também a valorização da segurança dos entornos, onde têm polos gastronômicos.”
Qual o posicionamento da Prefeitura de Curitiba?
Convidada a enviar representantes para ouvir as demandas do segmento e direcionar respostas, a Prefeitura de Curitiba participou do debate. Pela Secretaria Municipal da Defesa Social e Trânsito (SMDS) falou o gestor, Péricles de Matos; e pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), a diretora do Departamento de Licenciamento e Fiscalização, Erica Costa Mielke, deu sua contribuição.
“Nosso trabalho é ouvir você, cidadão artista, que é proprietário de estabelecimento, que vai se divertir [no bar], que é consumidor”, disse o secretário de Defesa Social e Trânsito. No caso da pasta, o gestor informou que 60% da atuação da Guarda Municipal é em apoio à Secretaria de Urbanismo, 15% em apoio à SMMA, e as demais ações são em apoio ao Ministério Público, Polícia Militar e nas operações conjuntas com outras forças policiais. Péricles de Matos também afirmou que outros atores envolvidos na fiscalização da ordem e das denúncias, como PM e MP, deveriam ter participado do debate, para esclarecer questionamentos.
Erica Costa, da SMMA, reconheceu que a legislação precisa ser reformulada, em especial a lei municipal 10.625/2002, a Lei da Perturbação do Sossego, “que é cheia de penduricalhos”. “Aumentou o número de bares. Com a mudança na legislação, as pessoas não podem mais fumar dentro dos bares, e fumam fora, causando barulho fora dos bares. Há 20 anos, não tínhamos mesas nas calçadas. Só tinha isso na rua XV [de Novembro]. O MP também ouve o apelo da população e [quando provocados] a gente faz o nosso serviço e atende a lei”, disse, ao se colocar à disposição ao diálogo. “Toda mudança é bem-vinda, desde que seja ponderada e [com] bom senso.”
“O bar tem o seu direito e tem um papel fundamental na socialização, no uso da cidade. Os artistas têm direito a expor seu trabalho e a ganhar dinheiro com isto. […] A gente tem que estabelecer as diferenças do que é fiscalização administrativa e do que é perturbação do sossego e crime ambiental. A gente não pode confundir e se utilizar da força e opressão do poder público para fazer impor certas vontades de certas pessoas. Todavia, quem tiver pisando na bola, tem que ser fiscalizado, tem que ser punido”, afirmou Requião Filho.
“A política pública deve ser construída de baixo para cima, com o princípio da democracia, da participação. O que temos é uma oportunidade de fazer um salto qualitativo de gestão. Estamos falando de economia, de atividades que geram emprego, gerando renda, geram segurança pública, porque onde a gente tem um bar ativo, presente, a gente vai ter gente na rua e o que faz uma cidade segura é ter gente na rua. E, óbvio, temos que harmonizar os usos da cidade”, observou Goura.
Como encaminhamento, será formado um grupo de trabalho com os vereadores que propuseram o debate e o coletivo, para estudar uma nova legislação visando sanar as dificuldades apresentadas pelos comerciantes. A ideia é que este grupo mantenha um diálogo com a prefeitura.
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